Considerações Iniciais
Abraham Kuyper foi um grande pesquisador de Calvino de
todos os tempos. Este Teólogo, Pastor e político não se limitou ao
seu trabalho paroquial na Igreja Reformada da Holanda, mas influenciou o
Parlamento como Primeiro Ministro.
Kuyper com seu
rigor acadêmico, estudou Calvino alem da perspectiva exegética. Entendeu que
Calvino com o seu ensino acerca do reino de Deus trazia a idéia de que a Igreja
abrange todas as áreas, especificamente o governo civil.
No seu clássico sobre “O Calvinismo”, Kuyper diz que
Calvino abomina a religião
limitada ao gabinete, à cela ou à igreja. Como o salmista, ele invoca o céu e a
terra, convoca todas as pessoas e nações a dar glória a Deus. Diz mais: “Deus
está presente em toda vida com a influência de seu poder onipresente e
Todo-Poderoso e nenhuma esfera da vida humana é concebida na qual a religião
não sustente suas exigências para que Deus seja louvado, para que as ordenanças
de Deus sejam observadas, e que todo labor seja impregnado com sua ora em
fervente e contínua oração”.
Outro grande pensador que
mencionou a visão política de Calvino nos seus escritos foi o filósofo
Rousseau. No Contrato Social, assim se referiu a Calvino: “Os que consideram
Calvino somente um teólogo não conhecem bem a extensão de seu gênio. A redação
de nossos sábios editos, da qual participou ativamente, honra-o tanto quanto
sua Instituição. Qualquer que seja a revolução que o tempo possa trazer
a nosso culto, enquanto o amor à pátria e à liberdade não se extinguir entre
nós, jamais a memória desse grande homem deixará de ser abençoada”.
É salutar dizer que
Calvino não criou e nem quis criar uma teoria política. Sua preocupação era a
de formar bons cidadãos e pessoas preparadas para o governo civil a partir das
Escrituras, e, que estas pessoas expressassem a gloria de Deus em qualquer área
da sociedade. Para Calvino, as Sagradas Escrituras oferecem-nos o escopo de
nosso pensar e agir em todas as áreas inclusive no governo civil ou Parlamento.
Tal era a ênfase de Calvino nas Escrituras e na Soberania de Deus que levou
muitos governantes a promoverem a liberdade civil e política na França,
Holanda, Inglaterra, e Escócia.
Weber, Leith, Tawney,
Biéler, Schaff, Skinner, Kuyper,
são unânimes em dizer que o pensamento calvinista influenciou as
democracias da América e da Europa criando uma concepção de Estado Moderno que
perdura até hoje.
A despeito destas
interpretações, veja o que Biéler diz sobre o que Calvino pensava da política
ou do Estado: “[...] não é, pois, um mal necessário, mas um instrumento da
providência divina”. (André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino,
São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 369).
CAPITULO I
1. Panorama Histórico
1.1 As Relações Estado – Igreja antes da
Reforma
A Igreja Católica Romana desde
o apogeu do Império Romano desempenhou um papel de grande relevância e
influência no continente europeu e, com maior intensidade, no período
correspondente à Idade Média, por haver estabelecido, nos séculos anteriores, o
conceito do trabalho servil, já que a Igreja desempenhava funções laicas e
religiosas.
[...] nas ordens
monásticas do Ocidente o trabalho manual e o intelectual estavam unidos
providencialmente a serviço de Deus. O pesado trabalho agrícola adquiria a
dignidade do culto divino, e era desempenhado por monges letrados (ANDERSON,
1991, p.129).
Percebeu-se também uma intensificação dessas relações, que se refletiu
na sociedade laica.
Com isso, a Igreja se assemelhava ao Estado, tornando-se cada vez mais
parecida com um “governo cristão”. A esse respeito, o civilista Lucas de Penna
(1990), ao citar Tomás de Aquino, diz que: “Portanto, a Igreja é comparável a
uma congregação política de homens e o papa é como um rei em seu reino por
conta da plenitude de seu poder”.
Nesta mesma opinião, Kantorowicz (1998) diz que: “os reis dependiam da
aprovação e bênção do papa, pois, quando o papa falava todo o mundo calava-se”.
A aliança entre a Igreja e o
Estado remonta o IV século no apogeu do Império Romano. A partir de 311 A.D,
terminam as perseguições aos cristãos. Posteriormente, o Imperador Constantino
I em 313 d.C garantiu liberdade de culto aos cristãos. Mais tarde em 380 d.C,
no reinado de Teodósio I, acontece definitivamente o casamento da Igreja com o
Estado, quando é promulgado o édito de que a religião cristã a partir de então
seria a religião oficial do Império Romano e que todos os seus súditos deveriam
ser cristãos. O primeiro historiador da igreja Eusébio de Cesaréia[1] (270-339
d.C), registra a união do Poder secular com o Poder Religioso. Com isso, a
Igreja deixou de ser perseguida, foram construídas várias catedrais e a
religião cristã obrigatoriamente se tornou a religião oficial do Império Romano.
O Imperador César Galério Valério Maximiniano e o Imperador
César Flávio Valério Constantino Augusto Pio Félix, Invicto, Pontífice Máximo e
o Imperdor CÉSAR valério Liciniano Licínio Augusto Pio Félix, Invicto,
Pontífice Máximo, "entre outras medidas que tomamos para utilidade e
proveito do Estado, já anteriormente foi vontade nossa endereçar todas as
coisas conforme as leis e ordem pública dos romanos e prover para que também os
cristãos, [...] voltassem ao bom propósito.
[...] Em conseqüência, em troca dessa nossa indulgência, deverão rogar a
seu deu por nossa salvação, pela do estado e por sua própria, com o fim de que
todos os meios, o estado se mantenha são e possam eles viver tranqüilos em seus
próprios lares". [...] Assim varridos os ímpios, Constantino e Licínio
guardaram para si sós a parte correspondente do Império, segura e indiscutível.
Estes, depois de eliminar do mundo antes de mais nada a inimizade contra Deus,
conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado, demonstraram seu amor à virtude,
seu amor a Deus, sua piedade e gratidão para com a Divindade por meio de sua
legislação em favor dos cristãos. (EUSÉBIO de CESARÉIA: 1999, p.294,295,316).
No apogeu do Império Romano,
especificamente o período que compreende de 311 a 380, denota o surgimento e a
consolidação de uma Igreja Estatal que se irradia por todo Império. Dentro
deste contexto, o cristianismo alcançou o status de religião oficial do Império
Romano, e o paganismo deveria ser vencido, e com o uso da força estatal deveria
ceder espaço para nova religião do Estado. Finalmente em 445, reconheceu-se a
autoridade do bispo de Roma como chefe supremo da Igreja, quando o imperador
Valentiniano III o considerou como chefe sobre os demais bispos e de todas as
igrejas do mundo, sobre o pretexto de que: "somente será perseverada a paz
de todas as igrejas no mundo inteiro, quando todo mundo reconhecer o seu
chefe", ou seja, o bispo romano (BETTENSON, 1998, p.59).
Em 754 é elaborada e aprovada
a doutrina do poder temporal da Igreja e do papado, em um acordo com o rei
Pepino conhecido como "o breve". Pepino, rei dos francos governou de
714 a 758. Em 754 esse rei doou terras ao papa na hoje região central da
Itália, que perfazia de Roma a Ravena. Com isso, formara os primeiros Estados
Papais mantidos sob o poder da Igreja até 1870.
A Igreja, a partir destes
fatos, passa a exercer um importante papel político na sociedade medieval, especialmente
na Europa. Seu escopo perpassava ou extrapolava os púlpitos e catedrais.
No Império Romano,
acreditava-se que não havia uma separação entre o poder temporal e o poder
espiritual, pois para o imperador, a Igreja era um prolongamento do Estado e
vice-versa, conceito que ficou conhecido como cesaropapismo.
No século VIII
a Igreja do Oriente (bizantina) foi atingida por um golpe, o iconoclasmo, ou
seja, a luta para não mais haver a adoração a imagens. O Império Bizantino
proibiu a adoração de imagens, o que acabou se tornando uma nova forma de
heresia, já que se negava representar a humanidade de Cristo. Essa luta abalou
os fundamentos do Império, pois o povo via no iconoclasmo uma manifestação de
despotismo político, porém chegou ao fim em 842, quando foi restaurada a
veneração de imagens. Poder-se-ia concluir que a Igreja conseguira derrubar o
cesaropapismo, porém essa vitória da ortodoxia fortaleceu o inimigo, pois quase
todo o clero secular se colocou do lado dos imperadores contra os monges. O
cesaropapismo foi então fortalecido.
O fortalecimento da relação
entre a Igreja e o Estado e outros acontecimentos políticos, como a coroação de
Carlos Magno pelo Papa Leão III em 800, provocaram explosões de raiva e
desentendimento em Constantinopla. Esses fatores, acrescidos de conflitos
anteriores e da divergência e independência das partes ocidental e oriental da cristandade,
levaram ao grande cisma, que ocorreu oficialmente em 1054[2]. Assim,
o cisma rompeu o diálogo mantido durante séculos e o substituiu pela
desconfiança e inimizade, o que levou a perdas de ambos os lados.
Após a queda do Império Romano
do Ocidente, e anos depois no começo do reinado de Carlos Magno[3] (800
A.D.), a concepção Igreja-Estado tornou ainda mais forte com a concepção do
“Sacro Império Romano-Germânico”.
Carlos Magno foi tido por seus contemporâneos como um novo
Constantino escolhido por Deus para implantar e defender a Cristandade. Não
apenas o imperador auxiliou a Reforma Católica no seu reino, como também impôs
a fé aos saxões com força das armas em seu projeto de expansão do reino franco
(AZZI, 1994, p.6).
É neste período que o conceito
de cristandade tornou mais forte, pois Carlos Magno (768-814), tornou-se
autêntico "Patronus Ecclesiae"[4] e,
ou chefe de Estado e Chefe Protetor perpétuo da Igreja. Título esse dado a
Constantino no século IV. Com
Magno o cesaropapismo[5] foi
então fortalecido e favoreceu ainda mais a relação entre Igreja e Estado.
Com efeito, com a coroação deste monarca em Roma,em 800,
como representante do Sacro Império Romano, o ideal teocrático da respublica
christiana afirmou-se não somente como concepção política, mas também como
concepção do sentido da cultura, a qual, aliás, nas condições sociológicas da
época, somente com o apoio da Igreja podia ser organizada, quer como forma
ordenadora da vida, quer como sistema de valores e de saberes, quer ainda como
organização e disciplina da actividade docente. Considerando-se priceps
populi christiani e restaurador da tradição imperial romana, Carlos Magno
pretendeu que a unidade política do seu vasto império, constituído por
populações de diverso grau de civilização, se prolongasse na unificação da
cultura mediante a unidade religiosa, pelo que promoveu a actividade docente da
Igreja, impôs a todos os mosteiros a unidade de observância da regra beneditina
e se considerou, como expressivamente declara numa epístola ao papa leão III,
obrigado a defender a Igreja de Cristo, no exterior, com as armas, contra as
incursões de pagãos e as devastações de infiéis, e no interior, fortalecendo-a
pelo conhecimento da fé católica. O ceptro do monarca congregava, a um só
tempo, os interesses da Igreja e os do Estado (CARVALHO, 1989, p. 386-7).
Anos mais tarde, em 962 d.C.,
o rei germânico Otto I, foi coroado em Roma pelo papa João XIII, que o declarou
como o grande Imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Com isso, o mesmo
ontos[6] consolidado
com Carlos Magno, estendeu ainda mais pelo mundo, e tornou ainda mais válida a
tese de que o poder do Estado ou do rei era concedido por Deus na pessoa do
papa. Desta forma, a Igreja alcançou supremacia sobre o poder temporal ou
civil.
A partir do século XI, a idéia de cristandade foi retomada
na Alemanha, tanto pela dinastia dos Otões como dos Höhenstaufen, sob a
designação de Sagrado Império Romano Germânico. Foi o jovem Otão III quem mais
se empolgou com o sonho de uma sociedade cristã. Mas a morte prematura
impediu-lhe a concretização dessa idéia (AZZI, 1994, p.6).
Ademais, foi nesta época que
se reivindicou a concepção de poder constantinopolitano[7]. A
Igreja resgatou o Documento de Constantino, que consubstanciava a unidade do
poder civil e religioso na pessoa do Sumo-Pontífice Romano. Ao Supremo
Pontífice foi entregue o poder e as indumentárias próprias de um imperador.
Visto que nosso poder imperial é terreno, decretamos que
ele deve venerar e honrar a santíssima Igreja Romana e que a sagrada Sé do
bem-aventurado Pedro deve ser gloriosamente exaltada sobre todo o nosso império
e trono terreno. [...] entregamos nosso imperial palácio de Latrão, que é
superior e excede a todos os palácios do mundo inteiro; além disso, o diadema,
que é a coroa de nossa cabeça,a mitra e a estola, que usualmente envolve nosso
imperial colo, [...] Por isso percebemos que nosso império e o poder de nosso
governo devem ser transferido e removidos para regiões do oriente, e que uma
cidade com o nosso nome deve ser construída no melhor local na província de
bizâncio, sendo aí estabelecido o nosso império; pois não é direito que um
imperador terreno tenha autoridade no lugar onde foi estabelecido pelo
imperador celeste o governo dos sacerdotes e a cabeça da religião cristã. [...].
(BETTENSON, 1998, 3ª ed., p. 171-173).
Henrique IV, imperador do
Sacro Império Romano-Germânico, quando da morte de seu pai assumiu o poder, não
aceitou a intromissão do Pontífice Romano, e assim, lança um manifesto em
janeiro de 1076 contra o poder papal. Em seguida o papa Gregório VII, em
fevereiro de 1076, publica um decreto depondo Henrique:
[...] retiro do rei Henrique, filho do imperador Henrique,
o governo de todo o reino dos germanos e da Itália. Porque ele se levantou
contra a tua Igreja com orgulho e arrogância. Libero todos os cristãos do
vínculo do juramento que fizeram em favor dele. Proíbo a qualquer pessoa lhe
sirva como rei, pois é justo que quem tende a diminuir a honra da tua Igreja
perca até mesmo a honra que parece ter (BETTENSON, 1998, p.177).
Os papas eram os mandatários
do poder secular, pois nomeava e retirava do poder quem lhes aprouvesse.
Após a deposição de Henrique IV, assumi Henrique V, que
logo se submete ao poder papal, e estabelece uma política de subserviência com
o poder central da Igreja. Seus decretos, passa a receber a chancela do
representante imediato do papa em Colônia. No seu primeiro Edito, encontramos
na subscrição final: "Eu, Frederico, arcebispo de Colônia e supremo
chanceler, o ratifiquei" (Bettenson,
1998, p.188).
Segundo Perroy (1965), desde os inícios do século
XII, a Igreja latina é uma monarquia, muito mais firme do que todos os poderes
temporais que se repartem então pelo Ocidente e, por uma ousada transferência
do mito imperial, e em favor do papa, agora revestido da tiara e do manto de
púrpura, que os intelectuais da Igreja romana projetam renovar a dignidade
suprema, diretora da comunidade cristã tanto no Temporal quanto no Espiritual.
Para Perroy, havia uma
confusão entre o religioso e o leigo. Os senhores feudais e seus filhos eram
cardeais da igreja. Nesta perspectiva diz:
[...] a função
religiosa, os poderes e proveitos a ela inerentes [...] formam aos olhos dos
contemporâneos como que uma tenência, cujo senhor é o patrono laico, que a
entrega ao eclesiástico por um gesto simbólico de investidura e que, como um
feudo após a morte do vassalo, lhe é devolvida quando a cadeira vaga (PERROY,
1965, p. 46).
As igrejas estavam em poder dos leigos, uma vez que
pertenciam às famílias herdeiras dos fundadores do santuário, e estas se
achavam no direito de explorá-las como um outro patrimônio qualquer. Além
disso, os titulares de bispados e abadias eram nomeados pelos reis e por alguns
príncipes que se apoderaram dos privilégios eclesiásticos. Por isso, havia uma
mistura dessas instituições e dificuldade de defini-las separadamente. Segundo
Ernest H. Kantorowicz (1998) o feudo e os reis dependiam da sacralização e
bênção do papa. Diz mais:
Infinitas
inter-relações entre a Igreja e o Estado, ativas em todos os séculos da Idade
Média, produziram híbridos em ambos os campos. Empréstimos e trocas mútuas de
insígnias, símbolos políticos, prerrogativas e honrarias sempre se realizaram
entre os líderes espirituais e seculares da sociedade cristã. (KANTOROWICZ,
1998, p. 125).
O poder religioso, papal, ou
da Igreja na pessoa do papa chegou ao ápice quando em outubro de 1198 na "Sicut
universitatis conditor. Ep. I. 401, P.I. CCXIV. Mirbt, Nº 326". Neste
decreto papal, o poder pontifício sobrepõe o poder temporal dos reis e príncipes.
A partir daí o poder do Império Romano-Germânico fica sob governo papal. Diz o
Decreto:
O criador do universo colocou duas grandes luminares no
firmamento do céu; o luminar maior para governar o dia e o menor para governar
a noite. Da mesma forma para o firmamento da Igreja Universal, da qual se fala
como sendo o céu, Ele apontou duas grandes dignidades: a maior para exercer o
governo sobre as almas(como se estas fossem os dias), a menor para exercer
governo sobre os corpos (como se estes fossem as noites). Essas dignidades são:
a autoridade pontifícia e o poder real. Além disso, a lua tira a sua luz do sol
e é, na realidade inferior ao sol, tanto em tamanho e qualidade, como em
posição e efeito. Da mesma forma, o poder real tira sua dignidade da autoridade
pontifícia, e quanto mais estreitamente se aproxima da esfera dessa autoridade,tanto menor é a luz de que ela
mesma está adornada, e quanto mais dela se afasta, tanto mais aumenta seu
próprio esplendor. [...] Reconhecemos, tal como é de nosso dever, que o direito
e a autoridade de eleger um rei [...] que o direito e a autoridade de examinar
a pessoa assim eleita pertence a nós, que os ungimos, consagramos e coroamos.
(BETTENSON, 1998, p.188-189).
Durante todo período da Idade
Média, mesmo aparecendo aqui ou ali proposições quanto ao papel das esferas,
secular e religiosa, houve sempre a subordinação do Poder Temporal o secular ao
Poder Religioso.
Por outro lado, a semelhança entre as relações entre o rei e o Estado e
o papa e a Igreja. Muitos pensadores consideravam o rei a partir de dois
corpos; o corpo físico, individual (corpus verum) e o corpo coletivo (corpus
fictum), que se dava pelo corpo do reino, como o parlamento para os
ingleses. É interessante notar que, apesar de ser um indivíduo como outro
qualquer, o rei possuía uma identidade que sobressaía ao seu corpo físico,
tendo muitas vezes que negar a sua vontade particular e optar pela vontade que
melhor coaduna com a do povo, e principalmente o sentimento religioso. Esta
concepção remonta a idéia de rei da Grécia antiga de rei “filho dos deuses”, ou
seja, o rei imbuído de uma autoridade mística, sobrenatural e espiritual.
Esta concepção posteriormente
foi desenvolvida por Hobbes[1] ainda em
um outro sentido mau interpretado pelos mandatários da sua época e absorvida
por teólogos da Igreja Católica.
A ideologia absolutista de que
o rei agia em nome de Deus e da religião, tornou a relação Igreja-Estado mais
intrínseca quando o cardeal e orador sacro Jacques Benigne Boussuet (1627-1704)[2], formulou
a doutrina do absolutismo do direito divino segundo o qual o rei era o
representante de Deus responsável apenas perante Ele por seus atos de governo.
Esta proposição estava baseada em uma interpretação exegética equivocada da
Carta de São Paulo Apóstolo aos Romanos cap. 13. versículos. 1 a 7, como também
na interpretação fora de contexto do corolário agostiniano expresso na magna
obra "A Cidade de Deus"[3].
É salutar observar a tese de
Ramos (1984)[4],
a qual é contrária a de Boussuet. Comentando sobre a idéia de Estado na
doutrina ético-política de Santo Agostinho, especificamente partindo do
referencial teórico "De Civitate Dei", é da opinião de que
Agostinho não defende um governo plenamente teocrático, mas um Estado justo,
relativamente autônomo como realidade temporal, pois a “Civitas Dei” de
Agostinho é a Igreja na temporalidade em outra dimensão[5]. Ainda nesta perspectiva, defende:
Em conclusão, não haverá um Estado totalmente autônomo,
isto é, neutro ou independente em relação ao fim da Cidade Celeste". Ele
será, porém, relativamente autônomo e suficiente como realidade temporal, que
tem por fim próprio a paz temporal, a qual ele pode e deve assegurar. Será esta
o seu "bem comum" imediato. [...] O Estado terreno de Agostinho,
concreto e singular,em qualquer tempo e lugar, com qualquer cultura que seja,
em regime confessional ou laical, é, antes de tudo,uma parte daquela "Societas...
mortalium" e devedor moralmente
da "humani generis caritas", por força de participação na
"communis natura". [...] Ele aceitaria, ao invés, querer-me
parecer, um Estado liberal, aconfessional, pluralista, como mal menor. [...] Ao
cristão,por fim, revestido de autoridade ou simples cidadão de qualquer tipo de
Estado, ao mesmo tempo membro da Cidade de Deus peregrina e desta concreta
cidade terrestre, caberá, em particular, a obrigação de levar o próximo ao amor
de Deus, pela benevolência, pela doutrina, pela disciplina, corrigindo os maus
ou suportando-os, se não puder corrigi-los (RAMOS, 1984, p.325,353,354).
Portanto o Estado na mente de
Agostinho não era teocrático em seu ontos, mas sempre teocêntrico em seu ethos[6].
Em Agostinho é feita a
formulação teórica da transcendentalização do imanente, trazida pelo
cristianismo. Esse autor parece projetar no mundo romano antigo pressupostos
iluministas de um Estado fundamentado unicamente na razão, ao dizer que o
Estado romano estava fundamentado no direito natural. É como se tivesse havido
estados seculares na Antigüidade, teologizados no medievo para serem novamente
secularizados na modernidade. Essa visão torna-se falsa quando constatamos os pressupostos
teológicos daquilo que Arquillière chama de “direito natural”. O pensamento
greco-romano predominava uma visão cíclica do tempo e o poder político estava
sacralizado, por exemplo, na figura do Imperador romano, cultuado como um deus.
(CATROGA: 2006, p.72).
Esta perspectiva agostiniana
estava afirmando o pressuposto da Soberania de Deus exercida na temporalidade e
na espacialidade, no sentido de que Deus constitui as autoridades e exige delas
a manutenção da ordem, da justiça e da paz social. Portanto, o absolutismo
proposto por Boussuet não encontra em Santo Agostinho uma base teórica
consistente.
É na teoria das duas
cidades de Agostinho, baseada na máxima de que se deve dar a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus que podemos vislumbrar uma primeira divisão
entre imperium, ou poder civil, e ecclesia, ou poder religioso. Dessas
premissas, decorre a mudança no paradigma da punição daqueles que infringem a
ordem estatal. Antes vistos como merecedores de punição e aniquilamento, os faltosos
serão agora também alvo de tentativas de recuperação e ressocialização. [...] A
partir das cartas aqui explanadas, procuramos mostrar com que argumentos a nova
matriz religiosa influenciou a visão sobre a natureza da pena e do castigo,
influenciando nossa concepção atual de reintegração do apenado à sociedade.
Essa concepção tem, no fundo, base teológica, pois preocupa-se com a salvação
do condenado e baseia-se na natureza pecadora comum de
ofensores e ofendidos.
(FLICKINGER: 2003, pp.73,75)
Entretanto é importante
salientar que as características do Estado moderno, sobretudo a separação do poder
secular e poder religioso perpassou um longo processo histórico, cujas raízes
se encontram na idade média.
1.2 O Papel desempenhado pelos
Pré-Reformadores
O século XIV começara a
despontar não somente para os Estados nacionais, como também para o sentimento
de reforma da Igreja. Neste século destaca John Wycliffe (1328-1384) na
Inglaterra e João Husss (1373-1415) na Boêmia (hoje República Tcheca e
Eslováquia).
Wycliff[7],
Hus e Wessel, fundadores de movimentos reformadores da Igreja nos séculos XIV e
XV, seguiram o exemplo de São Francisco de Assis ao contrapor à Igreja com seu
poder e seu casamento com o Estado. Propunha uma Igreja visível, espiritual e
pobre, sem poderes nem estruturas separada totalmente do Estado[8].
Nesses mesmos séculos, difundiram-se correntes espirituais e místicas, que
acentuavam a dimensão íntima e subjetiva na experiência com Deus ou que
evidenciavam unilateralmente a onipotência da graça divina, chegando até a
considerar inúteis as obras do cristão para sua salvação. Essas idéias terão
lugar fundamental na doutrina luterana.
Na Inglaterra Wycliffe recebe
o apoio de alguns políticos e religiosos que defendiam o nacionalismo inglês
contrario aos domínios, francês e Romano, especialmente na questão secular pela
Igreja.
Ao mesmo tempo em que defendia
que a Igreja deveria retornar à primitiva pobreza dos tempos apostólicos, Wyclif
também entendia que o poder da Igreja devia ser limitado à s questões
espirituais, sendo o poder temporal exercido pelo Estado, representado pelo
rei. Seu livro “De officio regis”
defendia que o poder real também era originário de Deus, encontrava testemunho
nas Escrituras Sagradas, quando Cristo aconselhou “dar a César o que é de
César”. Era pecado, em sua opinião, opor-se ao poder do rei e todas as pessoas,
inclusive o clero, deveriam pagar-lhe tributos. O rei deve aplicar seu poder
com sabedoria e suas leis devem estar de acordo com as de Deus. Das leis de
Deus se deriva a autoridade das leis reais, inclusive daquelas em que o rei
atua contra o clero, porque se o clero negligencia seu ofício, o rei deve
chama-lo a responder diante de si. Ou seja, o rei deve possuir um “controle
evangélico” e quem serve à Igreja deve submeter-se à s leis do Estado. Os
arcebispos ingleses deveriam receber sua autoridade do rei (não do papa).
Este livro teve grande
influência na reforma da Igreja, não apenas na Inglaterra, que sob Henrique
VIII passaria a ter a igreja subordinada ao Estado e o rei como chefe da
Igreja, mas também na Boêmia e na Alemanha. Especialmente interessantes são
também os ensinamentos que Wyclif endereça aos reis, para que protejam seus
teólogos. Ele sustentava que, já que as leis do rei devem estar de acordo com
as Escrituras, o conhecimento da Bíblia é necessário para fortalecer o
exercício do poder real. O rei deveria cercar-se de teólogos para aconselha-lo
na tarefa de proclamar as leis reais.
Ao mesmo tempo em que defendia
que a Igreja deveria retornar à primitiva pobreza dos tempos apostólicos,
Wycliffe também entendia que o poder da Igreja devia ser limitado à s questões
espirituais, sendo o poder temporal exercido pelo Estado, representado pelo rei.
O livro de sua autoria “De officio Regis” defendia que o poder real também era originário
de Deus, encontrava testemunho nas Escrituras Sagradas, quando Cristo
aconselhou “dar a César o que é de César”, no entanto esse poder deveria ser
separado do poder religioso, pois para ele a Igreja pertencia a uma instância
espiritual especial, aonde representava o poder do evangelho em Cristo.
Portanto um poder intrinsecamente espiritual. Era pecado, em sua opinião,
opor-se ao poder do rei e todas as pessoas, inclusive o clero, deveriam
pagar-lhe tributos. O rei deve aplicar seu poder com sabedoria e suas leis
devem estar de acordo com as de Deus. Das leis de Deus se deriva a autoridade
das leis reais, inclusive daquelas em que o rei atua contra o clero, porque se
o clero negligencia seu ofício, o rei deve chama-lo a responder diante de si.
Ou seja, o rei deve possuir um “controle evangélico”. ” e quem serve à Igreja deve
submeter-se à s leis do Estado. Os arcebispos ingleses deveriam receber sua
autoridade do rei (não do papa).
Ele sustentava que, já que as
leis do rei devem estar de acordo com as Escrituras, o conhecimento da Bíblia é
necessário para fortalecer o exercício do poder real. O rei deveria cercar-se
de teólogos para aconselhá-lo na tarefa de proclamar as leis reais.
Tanto Wycliffe como Huss deixaram
bem definidas suas posições em relação a questão Igreja e Estado.
As idéias do pré-reformador inglês Wycliffe expressas em
sua obra "Sobre o Senhorio Civil" escrita em 1376 foram bem
aceitas em seu país. A Inglaterra desde o século XII vivi um clima de reação
nacionalista contra a interferência da Igreja Católica nos assuntos do Estado.
Em sua eclesiologia, Wycliffe ensinava que a Igreja deve ser regida pela
lei de Cristo que é a lei do amor e que se expressa através do serviço ao
próximo. Por essa razão ela tem que ser pobre; não pode controlar a economia
nem a política. O rei deveria interferir nos casos de enriquecimento abusivo do
clero. O papa torna-se um herege quando aceita o domínio do mundo, pois transgride
a lei de Cristo que é a lei da pobreza. O poder do papa é apenas espiritual e
quando quer tornar-se príncipe na realidade transforma-se em anticristo.
(VASQUES, 2005, p.20 Apud Tillich,
1988, p.189-193).
João Huss adepto das idéias de
Wycliffe propagou-as na Boêmia, com o mesmo sentimento anti-pontificial,
tornando claras essas idéias na sua obra "De Ecclesia", na
qual não só propõe uma reforma na Igreja, mas a separação do poder secular e
poder religioso.
1.3 A Influência do Humanismo no Calvinismo
Com o surgimento do humanismo[1], o ser
humano tornou-se o eixo dessa nova filosofia, a qual defendia a liberdade de
pensamento e o desenvolvimento do homem em todo seu potencial intelectual.
Foi no movimento humanista que
surgiu a figura mais proeminente, Erasmo de Roterdã. A sua revolta contra as
formas de vida da igreja não resultou tanto de dúvidas quanto à verdade da
doutrina tradicional, nem de alguma hostilidade para com a organização da
Igreja. Sentiu antes a necessidade de aplicar os seus conhecimentos na
purificação da doutrina e na liberalização das instituições do cristianismo.
Como acadêmico Erasmo tentou
libertar os métodos da Escolástica da rigidez e do formalismo das tradições
medievais, mas não ficou satisfeito. Ele viu-se como o pregador da retidão. A
sua convicção em toda a vida foi que o que era necessário para regenerar a
Europa era uma aprendizagem sã, aplicada liberalmente e sem receios pela
administração de assuntos públicos da Igreja e do Estado. Esta convicção
confere unidade e consistência a uma vida que, de outra forma, pode parecer
plena de contradições. Erasmo viu-se livre e distante de quaisquer obrigações
comprometedoras; no entanto Erasmo foi, num sentido singularmente verdadeiro, o
centro do movimento literário do seu tempo. Ele correspondeu com mais de
quinhentos homens da maior importância no mundo da política e do pensamento, e
o seu conselho em vários assuntos era procurado avidamente, se bem que nem
sempre seguido.
Quando da sua estadia em
Inglaterra, Erasmo iniciou o exame sistemático dos manuscritos do Novo
Testamento, por forma a preparar uma nova edição e uma tradução para Latim.
Esta edição foi publicada por Froben de Basiléia em 1516 e foi a base da
maioria dos estudos científicos da Bíblia durante o período da Reforma.
Ele publicou uma edição
crítica do Novo Testamento Grego em 1516 - Novum Instrumentum omne, diligenter
ab Erasmo Rot. Recognitum et Emendatum. A edição incluiu uma tradução em Latim
e anotações. Baseou-se também em manuscritos adicionais recentemente descobertos.
Erasmo declinou qualquer
compromisso, argumentando que ao o fazer estaria a colocar em risco a sua
posição como líder de um movimento por uma sabedoria pura, o que ele via como o
objetivo de sua vida. Apenas como um académico independente poderia ele aspirar
a influenciar a reforma da religião. A obra de Lutero foi a de providenciar uma
nova base doutrinal para as tentativas até então dispersas de iniciar uma
reforma. Ao reavivar os princípios quase esquecidos da teologia de Agostinho,
Lutero tinha fornecido o necessário impulso para o interesse pessoal na
religião, o que é a essência da Reforma Protestante. Erasmo, no entanto, temia
qualquer mudança na doutrina e acreditava que não havia espaço dentro das
fórmulas existentes para o tipo de reforma que ele apreciava tanto.
A sua obra mais conhecida,
"Praise of Folly" "Elogio
da Loucura", foi dedicada ao seu amigo Sir Thomas More. Em 1536 ele
escreveu "De puritate ecclesiae christianae", na qual ele tentou
reconciliar os diferentes partidos. Muito dos seus escritos apelam a uma grande
audiência e lidam com assuntos do interesse humano geral; ele parece ter
considerado estes como uma diversão, uma actividade de lazer. Os seus escritos
mais sérios começaram cedo com a "Enchiridion Militis Christiani" , o
"Manual (ou adaga) do cavalheiro cristão" (1503). Nesta breve obra,
Erasmo esquematiza as perspectivas da vida cristã normal, uma tarefa que se lhe
tornaria constante na sua vida.
O principal mal dos seus dias,
diz ele, é o formalismo, um respeito por tradições sem consideração pelo
verdadeiro ensinamento de Cristo. O remédio é que cada homem se pergunte a cada
ponto "Qual a coisa essencial?", fazendo-o sem receio. Formas podem
esconder ou sufocar o espírito. Na sua examinação dos perigos do formalismo, Erasmo
discute a vida monástica, a adoração de santos, a guerra, o espírito de classe
e as fraquezas da "sociedade", mas o "Enchiridion" é mais
um sermão do que uma sátira.
O seu texto acompanhante, o
"Institutio Principis Christiani" (Basiléia, 1516), foi escrito como
conselho ao jovem Rei Carlos de Espanha, mais tarde Carlos V, Sacro-Imperador
Romano. Erasmo aplica os princípios gerais de honra e de sinceridade à s
especiais funções do Príncipe, quem ele apresenta como um servidor do povo.
Erasmo, além de questionar a
mitologia, em sua magna obra, "O Elogio da Loucura", propaga
uma busca para os Clássicos e critica ironicamente a Igreja Católica por deter
o poder intelectual e político. Em parte, Erasmo foi influenciado pelos
reformadores e os reformadores por ele.
CAPITULO II
A RELAÇÃO IGREJA ESTADO NA REFORMA
2. A Relação Igreja/Estado na Reforma Religiosa
Martinho Lutero[2] o
primeiro reformador, o qual não apenas rompeu com a dogmática
da doutrina católica, mas com a forma de pensar e de dirimir sobre diversos
assuntos da sociedade. Influenciada pelo movimento humanista de valorização do
livre pensamento, aprofundou a dinâmica dos conhecimentos teológicos, dentre
eles, a fundamentação política do Estado e o papel da Igreja, bem como seu
relacionamento com o poder civil. As Noventa e Cinco Teses, de 31 de outubro de
1517, abordaram uma ampla variação de práticas corruptas da igreja, e a
usurpação do poder papal, embora a ênfase central fosse a salvação pela graça
de Deus.
Lutero reagia de forma
drástica às pretensões de interferência
da Cúria Romana, não somente na vida interna da Igreja da Alemanha, mas na vida
religiosa do povo e do poder temporal dos príncipes. Desta forma adquiriu apoio
dos príncipes contrários à política eclesiástica da Santa Sé e, com isso, a
reforma assumiu um cunho nacionalista.
Falando sobre o poder
espiritual (Igreja) e o poder civil (Estado), bem como do relacionamento dos dois poderes Lutero expõe:
À autoridade espiritual, representante do regime espiritual
de Deus, cabe o poder da palavra de Deus. Sua incumbência é pregar esta
palavra. [...] A Autoridade secular, representante do regime secular de Deus,
cabe o poder político, simbolizado pela espada. Sua incumbência é possibilitar
e garantir o convívio das pessoas na sociedade bem como seu bem-estar terreno.
Onde tal poder é exercido, há Estado. [...] Cabe a autoridade espiritual
lembrar os governantes de suas incumbências. [...] Nenhum dos dois deve
intrometer indevidamente. As autoridades, espiritual e secular estão unidas no
serviço fiel que ambas devem à autoridade divina comum (LUTERO, 1996, p.118).
A reforma foi um grande
movimento dialético na tentativa de emancipação do pensamento, que, com efeito,
rompe com a hegemonia e propriedade exclusiva da Igreja na pessoa do Papa. A
Igreja na pessoa do papa era uma verdadeira potência econômica cuja situação
social constituía o sistema feudal. Contrapondo a essa ideologia, a Reforma
enaltece o homem, por ambas considerarem o homem um ser dinâmico capaz de
interpretar o mundo. No caso especificamente da Reforma a interpretação
individual das Escrituras. Tem acima de tudo, como ponto em comum, a autonomia
do espírito humano, que na Reforma é representado pela doutrina fundamental da
experiência interior e do livre exame, como norma suprema de vida religiosa e
moral. Foi nesta perspectiva que Lutero rompeu com Roma. Ele não aceitava mais
ficar calado ante as pretensões de Roma, e sempre havia pregado contra esse
acrisolamento e alijamento do pensamento. Essa sua inquietação estava influenciada
pelo humanismo renascentista e pela formação agostiniana concernente ao estudo
e desenvolvimento exegético das Escrituras. Ele não aceitava o princípio
dominante no cristianismo de Roma "quando Roma fala todo o mundo
cala".
Politicamente especialmente na
Alemanha, a Igreja estava enfraquecida.
Os conflitos políticos entre autoridades da Igreja Romana e governantes
das monarquias européias, cada vez se acirravam. Tais governantes desejavam
para si o poder espiritual e ideológico da Igreja e do Papa muitas vezes para assegurar
o direito divino dos reis. Por outro lado, sentiam-se desconfortáveis com a
tributação papal que, apesar de defender a simplicidade, era a instituição mais
rica do mundo.
Sobretudo na Alemanha, duas
classes sofriam com a crise econômica surgida após a descoberta da América: os
cavaleiros e os camponeses. Os primeiros tinham perdido seu antigo poder e
procuravam o meio para recuperá-lo: assim, a posse dos bens da Igreja poderia
oferecer-lhes uma cômoda e fácil oportunidade. Entre os camponeses, ainda na
condição de escravos, há muito estava incubado o fermento revolucionário, que
já havia explodido com violência em revoltas que, periodicamente, sacudiam a
Alemanha, desde o final do século XV. Eles esperavam a hora da própria libertação.
Todo esse conjunto de fatores
religiosos, culturais, políticos e sociais constituía um imenso material
explosivo. Bastava uma centelha para fazê-lo estourar. Lutero foi o estopim,
com sua personalidade forte e inspirada. A data exata do começo desse processo
foi estabelecida a partir das 95 teses de Lutero, publicadas em novembro de
1517 (e não fixadas no dia 31 de outubro nas portas da Igreja de Wittenberg,
como tradicionalmente se pensava).
A reforma como movimento
dialético tem em comum a renascença a pretensão anti-histórica de romper com a
Igreja Católica e com o pensamento predominante do escolastissismo
tomístico. Lutero lutou contra as
práticas ascéticas e monásticas, e, sobretudo contra o poder temporal da
Igreja. A Reforma foi fecunda no campo
teórico do pensamento, e criou uma consciência especulativa e progressista
estabelecendo as bases para o mundo moderno. Dentro desta perspectiva, acha-se
a característica específica do pensamento clássico moderno “a expansão dos
indivíduos e da sociedade”. Neste sentido, Max Weber (1910)[1] denota
certa emancipação do tradicionalismo e, por conseguinte a eliminação embora não
completa do controle da Igreja sobre a vida cotidiana. Neste sentido, o
indivíduo passa a existir numa expressão mais patente. Assim, tanto o indivíduo
como o Estado ganham autonomia.
João Calvino[2]
(1509-1564), em questões éticas e políticas consideravam aqueles que exerciam a
autoridade civil como quem trabalhavam como operários de Deus, seguindo a
lógica luterana sobre a vocação. Embora sendo as autoridades civis operárias de
Deus, elas não têm o papel eclesiástico e nem as autoridades eclesiásticas tem
a autoridade civil. Portanto, a esfera política ou o poder civil e religioso
não se confundem[3].
Desta forma Calvino propõe a distinção entre a Igreja e o Estado, sendo também
precursor dos limites entre a ética da vida pública e a ética da vida privada.
Em seu tratado denominado “As Institutas da
Religião Cristã” dedicado ao Rei Francisco I, apresenta uma
perspectiva do que seria uma dominação política legítima. A partir deste texto,
se procura destacar que tipo de dominação é ali postulado. De que forma Calvino
entendia que o príncipe deveria reinar e dominar sobre o povo? Com que regras?
Com que motivação?
No pensamento de Calvino, se distinguem dois
âmbitos: O espiritual e o temporal, ou em outros termos: o espiritual e o
político, ele também chama o âmbito político de civil. Estritamente, o
termo político relaciona-se com a arte de governar; assim, falar-se-á
aqui do domínio espiritual e do domínio político, todavia,
levando-se em conta que o primeiro deles também implica em política. Após
tratar nas Institutas acerca da liberdade cristã, Calvino termina o assunto
fazendo a distinção destes poderes.
Enquanto Calvino descreve o reino espiritual
visando ao homem interior e à vida eterna, agora, ao tratar do reino político,
ou temporal, descreve-o como aquele que visa estabelecer uma justiça civil e o
aperfeiçoamento dos costumes exteriores (IV.XVI.1). Sendo assim, entende que
estes dois reinos são distintos. Embora estabeleça essa distinção, insiste na
responsabilidade do homem cristão sujeitar-se ao reino temporal, já que “é
indiferente a condição a que pertencemos entre os homens, ou qual a nação a
cujas leis devemos obediência, visto que o reino de Cristo não se localiza
nestas coisas” (IV.XVI.2).
Contrariando os amantes de utopias de seus dias que
se opunham ao governo civil, Calvino lembra-lhes que o reino de Cristo não
repudia o reino civil. Todavia, qual finalidade desse reino temporal? O quê
visa? Calvino responde em termos éticos
o objetivo do
reino temporal é fazer que possamos adaptar-nos à companhia dos homens durante
o tempo que nos cabe viver entre eles, estabelecer os nossos costumes em termos
de uma justiça civil, viver em harmonia uns com os outros, e promover a paz e a
tranqüilidade comum (IV.XVI.3).
Desta forma ele reconhece a necessidade de leis políticas que contribuam
para a relação harmônica e pacífica entre os homens. A forma de dominação
postulada aqui considera a necessidade de controle sobre os homens. A razão
apresentada é de natureza teológica, já que o homem é considerado como tendo
uma natureza corrompida pelo pecado, e conseqüentemente inclinada para o mal.
Faz-se, assim, necessário um “esforço enorme para, à força, contê-los e
impedi-los de praticar o mal” (IV.XVI).
Em conclusão, pode se dizer
que a Reforma Protestante do século XVI tornou-se base para as democracias
modernas.
Estas idéias, que formam a base das liberdades modernas,
encontram sempre eloqüentes defensores no protestantismo. O ministro Jurieu as
defendeu contra Bossuet, em uma discussão bem conhecida, e Locke as expôs
debaixo de uma forma científica. Do protestantismo é Montesquieu, Voltaire e os
escritores políticos do século XVIII as tiraram, e delas é que saiu a Revolução
Francesa. Mas, muito tempo antes, elas tinham sido aplicadas, com sucesso
constante nos Estados protestantes, primeiro na Holanda, depois na Inglaterra
e, principalmente na América (LAVELEYE, 1875, p.30).
Características do Estado Moderno no
Calvinismo
3.1. Um Estado Contratual e Liberal
....... [...]
BIBLIOGRAFIA
BIÉLER,
André. O Pensamento Econômico e Social
de Calvino, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990.
CAIRNS, Earle E. O cristianismo através
dos séculos: uma história da igreja cristã. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1988.
CAVALCANTI, Robinson. Cristianismo &
política: teoria bíblica e prática histórica. Viçosa, MG: Editora Ultimato,
2002.
CLOUSE,
Robert G. et al. Dois reinos:
a igreja e a cultura interagindo ao longo dos séculos. São Paulo: Cultura
Cristã, 2003.
CULLMAN, Oscar. Cristo e política. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1968. Original em inglês: The State in the New Testament
(1956).
DOWLEY, Tim (org.). História do
cristianismo: guia ilustrado. Venda Nova, Portugal: Bertrand Editora, 1995.
DOWLEY, Tim (ed.). Atlas Vida Nova da
Bíblia e da história do cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 1997.
GARDNER, E.C. A ordem política. Em: Fé
bíblica e ética social. São Paulo: ASTE, 1965, p. 364-400.
GONZÁLEZ, Justo L. Uma história ilustrada
do cristianismo. 10 vols. São Paulo: Vida Nova, 1980-1995.
GONZÁLEZ, Justo L. Uma história do
pensamento cristão. 3 vols. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
GOYARD-FABRE,
Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. Tradução:
Irene A. Paternot. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
IRWIN, Dale T.; SUNQUIST, Scott W. História do movimento cristão mundial. Vol. I: Do cristianismo primitivo a 1453. São Paulo: Paulus, 2004.
LINDER, R.D. Igreja e estado. Em: ELWELL,
Walter A. (Ed.). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. São Paulo:
Vida Nova, 1990, Vol. II, p. 297-303.
LLOYD-JONES, D.M. A igreja e o estado:
funções diferentes. São Paulo: PES.
MARCUSE,
Herbert. Eros e Civilização. 8º edição. Rio de Janeiro: LTC, s.d.
MATOS, Alderi Souza de. A caminhada cristã
na história: a Bíblia, a igreja e a sociedade ontem e hoje. Viçosa, MG: Editora
Ultimato, 2005.
MEETER, H. Henry. La iglesia y el estado. Grand Rapids : TELL,
s.d. Título original: The basic ideas of Calvinism.
NICHOLS, Robert Hastings. História da
igreja cristã. 11ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.
NOLL, Mark A. Momentos decisivos na história do cristianismo. Trad. Alderi S. Matos. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.
NOLL, Mark A. Momentos decisivos na história do cristianismo. Trad. Alderi S. Matos. São Paulo: Cultura Cristã, 2000.
OLSON, Robert. História da teologia
cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida, 2001.
RIBEIRO, Daniel. Igreja e estado na Idade
Média: relações de poder. Belo Horizonte: Editora Lê, 1995.
ROUANET,
Sergio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras,
1987
TREVOR-ROPER,
H. R. Religião, Reforma e Transformação Social. Lisboa: Editorial Presença/
Martins Fontes, 1972.
WALKER, Williston. História da igreja
cristã. São Paulo: ASTE, 1967.
WALTON, Robert C. História da igreja em quadros. São Paulo: Vida, 2000.
WALTON, Robert C. História da igreja em quadros. São Paulo: Vida, 2000.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo. São Paulo: Martin Claret. 4ª ed, 2001.
[1] Emil
Maximillian Weber, mais conhecido como Max Weber, (Erfurt, Alemanha, 21 de
Abril de 1864 — Munique, 14 de Junho de 1920) foi um intelectual alemão e um
dos fundadores da Sociologia. Suas principais obras são: Weber, Max -
Sociologia. (capítulo 3, A “objetividade” do conhecimento nas ciências
sociais). São Paulo, 1979. Ed. Atlas; Weber, Max – Ciência e política duas
vocações. São Paulo, Ed. Martin Claret, 2003; Weber, Max – A ética protestante
e o espírito capitalista. São Paulo, Ed. Martin Claret, 2003.
[2]Calvino nasceu em Lyon na França, mas consolida a
reforma na Suíça. Construindo sobre os alicerces lançados por Lutero, Calvino
não só sistematizou como também deu estrutura eclesiástica e política ao
pensamento da reforma. A partir de Calvino, o protestantismo causou um impacto
internacional, não somente no aspecto doutrinário, mas, sobretudo nos sistemas
de governo e na vida das pessoas. Sobre calvinismo, política e sociedade pode
ser pesquisadas as obras: BIÉLER, André. O Pensamento Social e Econômico de
Calvino. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1990; do mesmo autor: A
Força Oculta dos Protestantes. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999;
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo : Vida Nova, 1994 BAINTON, Roland H.. Women
of the Reformation: In France
and England .
Mnneapolis: Augsburg Publishing House, 1973 e
TREVOR-ROPER. Religião, Reforma e Transformação Social. Lisboa:
Editorial Presença/Martins Fontes, 1981.
[3]Sobre a separação ou o papel distinto da Igreja e
do Estado na perspectiva calvinista, encontramos várias obras de estudiosos do
calvinismo e também a comprovação do substrato do pensamento de João Calvino
quanto a ética e a política. Dentre os autores, citamos: SKINNER, Quentin.
As Fundações do Pensamento Político Moderno, 1996; BONHOEFFER, Dietrich. Resistência
e Submissão, 1980; WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo, 1994 e BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de
Calvino,1990.
[1]O humanismo foi um movimento de valorização do
homem, consolidado pelo teólogo e filósofo Erasmo de Roterdã (1469-1536), que
passou para a história por se opor ao domínio da Igreja sobre o pensamento, a
cultura e a ciência. Ele era um intelectual respeitado e prestigiado de seu
tempo e sempre esteve ligado aos círculos do poder na Europa. Sobre o humanismo
e suas fases, ver: CASSIRER, Ernst. A Filosofia do Iluminismo. São
Paulo: Martins Fontes, 1998; TREVOR-ROPER. Religião, Reforma e Transformação
Social. Lisboa: Editorial Presença/Martins Fontes, 1981.
[2]Martinho Lutero nasceu em 1483 em Eisleben, norte
da Alemanha. Seus pais queriam que fosse advogado, mas ele procurou formação
num mosteiro em Erfurt. Aos 25 anos, foi para a Universidade de Wittenberg,
onde se formou em estudos bíblicos. Numa viagem a Roma, ficou escandalizado com
os costumes do clero. Ao voltar, iniciou carreira de professor e pregador, sob
proteção do príncipe Frederico, o sábio. Em 1517, Lutero publicou suas 95 teses
teológicas. Quatro anos depois foi excomungado pelo papa LeãoX e reafirmou suas
convicções perante os governantes alemães, na dieta (reunião particular) de
Worms, de onde saiu proscrito. Após um ano, retornou a Wittenberg e continuou a
reforma até sua morte em 1546.
[1] Thomas
Hobbes (Malmesbury, 5 de abril de 1588 – Hardwick Hall, 4 de dezembro de 1679)
foi um matemático, teórico político, e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651)
e Do cidadão (1651). Na obra Leviatã, explanou os seus pontos de vista sobre a
natureza humana e sobre a necessidade de governos e sociedades. No estado
natural, enquanto que alguns homens possam ser mais fortes ou mais inteligentes
do que outros, nenhum se ergue tão acima dos demais por forma a estar além do
medo de que outro homem lhe possa fazer mal. Por isso, cada um de nós tem
direito a tudo, e uma vez que todas as coisas são escassas, existe uma
constante guerra de todos contra todos (Bellum omnia omnes). No entanto, os
homens têm um desejo, que é também em interesse próprio, de acabar com a
guerra, e por isso formam sociedades entrando num contrato social.
[2] Jacques-Benigne
Bossuet (Dijon, 27 de Setembro de 1627 — Paris, 12 de Abril de 1704) foi um
bispo e teólogo francês. Bossuet foi um dos primeiros a defender a teoria do
absolutismo político; ele criou o argumento que governo era divino e que os
reis recebiam seus poder de Deus. São duas obras para entender o pensamento
político de Bossuet: La Politique tirée de l'Écriture sainte (póstumo) (1709),
Traité de la connaissance de Dieu et de soi-même (póstumo) (1741).
[3]A obra magna de Santo Agostinho (354-430) escrita
entre 413-416, para tratar de uma reflexão política-teológica-filosófica sobre
as relações entre a Igreja e o Estado, que tem como pano de fundo a proposição
de um Estado terreno justo.
[4]Francisco Manfredo Tomás Ramos, apresentou a tese
de doutorado, "A Idéia de Estado na Doutrina Ético-Política de Santo
Agostinho", na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e foi aprovada
com mais alta distinção. (H. C. de Lima Vaz, S.J. in: prefácio da tese-livro,
p.16).
[5]Para uma pesquisa sobre o tema em Santo Agostinho,
ver: AGOSTINHO, Santo. [AUGUSTINUS]. “Epistolae.” In: Sant’Agostino: tutte
l’opere. Roma: Città Nuova Editrice. Disponível em:<
http://www.augustinus.it/latino/lettere/index2.htm>. Acesso em: 15 out.
2007. In: Sant’Agostino: tutte l’opere. Roma: Città Nuova Editrice.
Disponível em:. Acesso em: 05 jun. 2007. Confissões.
Traduzido do latim por Arnaldo do Espírito Santo, João Beato e Maria Cristina
de Castro-Maia de Sousa Pimentel. 2. ed. Edição bilíngüe. Lisboa: Imprensa
Nacional - Casa da Moeda, 2004. (EstudosGerais: Série Universitária Clássicos
de Filosofia ). “Letters 152, 153, 154 and 155.” In: ATKINS, E. M.; DODARO, R. J. (Ed.) Augustine:
Political Writings. Cambridge : Cambridge University Press, 2001. pp. 70-89 (Cambridge Texts in the
History of Political Thought). MARROU,
H-I. Saint Augustin et l’augustinisme. Paris: Éditions Du Seuil, 1955. MILBANK,
J. Teologia e teoria social: para além da razão secular. São Paulo : Loyola, 1995. WEITHMAN,
P. “Augustine's Political Philosophy.” In: STUMP, E.; KRETZMAN, N. The Cambridge Companion to
Augustine. Cambridge: Cambridge
University Press, 2001, pp. 234-252 (Cambridge Companions to Philosophy).
[6]Ethos: entende-se por ethos os valores constituídos
de princípios ou regras que tem em seu substrato a prática desses valores.
[7] John
Wyclif (ou Wycliffe) foi professor da Universidade de Oxford, teólogo e
reformador religioso inglês, considerado precursor das reformas religiosas que
sacudiram a Europa nos séculos XV e XVI (ver: Reforma Protestante). Trabalhou
na primeira tradução da Bíblia para o idioma inglês, que ficou conhecida como a
Bíblia de Wyclif. Wyclif então se retirou para sua casa em Lutterworth, onde
reuniu sábios que o auxiliaram na tarefa de traduzir a Bíblia do latim para o
inglês. Enquanto assistia à missa em Lutterworth, no dia 28 de dezembro de
1384, foi acometido por um ataque de apoplexia, falecendo 3 dias depois, no
último dia do ano.A influência dos escritos de Wyclif foi muito grande em
outros movimentos reformistas, em particular sobre o da Boêmia, liderado por
Jan Huss e Jerônimo de Praga. Para frear tais movimentos, a Igreja convocou o
Concílio de Constança (1414 – 1418). Um decreto deste Concílio (expedido em 4
de maio de 1415) declarou Wyclif como herético, recomendou que todos os seus
escritos fossem queimados e ordenou que seus restos mortais fossem exumados e
queimados, o que foi cumprido 12 anos mais tarde pelo Papa Martinho V. Suas
cinzas foram jogadas no rio Swift, que banha Lutterworth.
[8] Para uma pesquisa mais abrangente sobre o tema ver: TREVOR-ROPER, H. R. Religião, Reforma e Transformação Social.
Lisboa: Editorial Presença/ Martins Fontes, 1972.
[1] Eusébio
de Cesareia (local desconhecido, cerca de 275 - Cesareia (provavelmente), 30 de
Maio de 339) (chamado também de Eusebius Pamphili, "Eusébio amigo de
Pânfilo") foi bispo de Cesareia e é referido como o pai da história da
Igreja porque nos seus escritos estão os primeiros relatos quanto à história do
Cristianismo primitivo. O seu nome está ligado a uma crença curiosa sobre uma
suposta correspondência entre o rei de Edessa, Abgaro e Jesus Cristo. Eusébio
teria encontrado as cartas e, inclusive, as copiado para a sua Historia
Ecclesiae. Na sua "História da Igreja" ou "História
Eclesiástica"), Eusébio tentou, de acordo com as suas próprias palavras
(I, i.1), apresentar a história da Igreja desde os apóstolos (história essa
referida nos "Actos dos Apóstolos") até ao seu próprio tempo, tendo
em conta os seguintes aspectos: (1) a sucessão dos bispos nas Sés principais;
(2) a história dos Doutores da Igreja; (3) a história das heresias; (4) a
história dos judeus; (5) as relações com
os pagãos; (6) o martirológio.
[2] O cisma
ou separação do cristianismo oriental e ocidental, refere-se a não aceitação
dos bispos e patriarcas do oriente, especialmente de Constantinopla e da Grécia
em não aceitar a autoridade do papa romano nem as relações deste com o poder
político secular.
[3]Carlos Magno (742-814), era filho do rei Pepino, e
subiu ao trono no dia 25 de dezembro do ano 800 d.C, em Roma. Foi coroado pelo
papa Leão III. Seu primeiro ato foi confirmar as terras doadas pelo seu pai à
Igreja, e assim, a Igreja tornou-se proprietária de vastos territórios. Esta
união do poder civil e religioso com o rei Carlos Magno e Leão III tornou-se
mais sólido.
[4]Patronus Ecclsiae significa que o poder imperial seria o guardião da
Igreja em seus territórios, e sob esta proteção, a Igreja poderia ser defendida
com armas.
[5] O termo
indica um sistema de relações entre Estado e Igreja em que o chefe do Estado,
julgando caber-lhe a competência de regular a doutrina, a disciplina e a
organização da Societas fidelium, exerce poderes tradicionalmente
reservados à suprema autoridade religiosa, unificando na própria pessoa as
funções de imperador e de pontifex. Decorre neste sistema a subordinação da
Igreja ao Estado.
[7]Refere-se aos Decretos de Constantino,
especificamente o Decreto que transfere a autoridade da Igreja a ele próprio.